Crise de Liderança Militar: como o currículo e o processo seletivo para academias militares podem influenciar comando do Exército?
Tenho algumas reflexões importantes sobre esse tema, que, embora não sejam definitivas, configuram um problema de pesquisa que pela minha ótica pode render um estudo mais aprofundado e bem interessante de ser feito.
Acredito que parte dos problemas observados no alto comando do Exército
e nas polêmicas envolvendo militares nos últimos anos pode ter raízes no
processo de ingresso e nos currículos das academias militares. Hoje, é
amplamente sabido que as disciplinas que realmente determinam o sucesso nos
concursos públicos mais concorridos, como os das carreiras militares, são
Matemática e Física.
Por exemplo, para o ingresso na AMAN, via EsPCEx, a disciplina Matemática
possui peso 2, enquanto Física tem peso 1,5, em comparação com outras matérias
exigidas, como História e Geografia. Isso já reflete uma priorização das
ciências exatas desde o início da formação.
Nesse contexto, seria bem interessante considerar o argumento da renomada
professora da Universidade de Chicago, Martha C. Nussbaum, autora do livro "Por
Que a Democracia Precisa das Humanidades". Ela defende que a formação
em ciências humanas é fundamental para a democracia e para a formação de
cidadãos éticos e responsáveis. Essa perspectiva traz à tona uma questão
importante: como esperar que os generais, formados para liderar desde pequenas
unidades até estruturas gigantescas que impactam populações inteiras, tenham
sensibilidade para lidar com subordinados de forma urbanizada ou compreendam
problemas complexos de sociedade, política, geopolítica e humanidades em geral,
quando o processo de seleção e a formação inicial priorizam habilidades nas
áreas exatas?
A análise da grade curricular da AMAN/EsPCEx reforça essa preocupação.
Das 1.875 horas previstas de ensino, distribuídas em 32 disciplinas, apenas
cerca de 450 horas são dedicadas a matérias que abordam o entendimento do ser
humano, da política e da sociedade. Essas disciplinas incluem História do
Brasil, Sociologia, Filosofia, Psicologia, Relações Internacionais, Economia I
e II, Geopolítica, Direito e Direito Administrativo.
Esse desequilíbrio curricular é significativo. Se líderes militares são
formados com uma base predominantemente técnica e limitada exposição às
ciências humanas, é natural que enfrentem dificuldades para compreender e atuar
com eficiência em cenários que exigem habilidades interpessoais, empatia e uma
visão ampla dos desafios sociais e políticos.
Muito recentemente, em meados de 2019, percebemos divergências entre
generais e tropa na questão salarial, enquanto a cúpula decidiu por conceder percentuais
maiores para os cursos realizados por generais, a tropa – que focou com
percentuais baixos e até sem aumentos - alegava que isso seria um reajuste
disfarçado e que acabaria dando a sociedade a impressão de que os militares
tiveram um aumento geral. No início do governo que se seguiu a visão da tropa
se revelou como a acertada, imprensa e membros do governo negaram a reposição
inflacionária para os militares alegando eu teriam recebido reajuste em 2019, o
que serve como ilustração da pouca compreensão do quotidiano que a cpúpual
armada parece possuir.
Outros exemplos são conhecidos, entre eles:
- a exagerada exposição política dos militares de alta patente no governo passado, o que para muitos deixava evidente que se o então presidente fracassasse na tentativa de reeleição os militares perderiam muito status político
- a resolução que permitiu que generais ultrapassassem o teto remuneratório constitucional e colocou por terra a imagem de que generais são patriotas e altruístas
- o general que comandou a Petrobrás recebia 200 mil mensais.
Todo esse conjunto de dados sugere que talvez seja necessário a revisão
do foco das academias militares, não apenas no processo seletivo, mas também na
própria estrutura curricular, para formar líderes com competências mais
alinhadas às demandas do mundo contemporâneo.
* Robson Augusto - Militar Rrm, especialista em inteligência e marketing, cientista social, jornalista
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